O entardecer alcançou Caim já distante do lar, naquela floresta perigosa e hostil.
As trevas trouxeram ao seu coração temor;
Já não era aquele corajoso lutador que prometera vitória em todos os seus passos.
Lembrou-se de casa e teve arrependimento da maneira ingrata como havia tratado seus pais naquela manhã.
Ali no vale escuro, pela primeira vez ansiou pelo fogo do sacrifício;
Contudo, ele jamais acreditara na redenção simbolizada pela morte do cordeiro!
Ele cria no poder de sua vida que, aquecida pelo sol, crescia em força e esperança de um dia poder detê-lo sobre um reino de eterna paz e harmonia.
No lar, seus pais e irmãos não conseguiam dormir.
Tinham vontade de ir em busca do amado Caim, mas onde encontrá-lo?
Lembravam dos demônios cruéis que invisíveis infestavam o vale, atormentando os animais que dia após dia iam tornando-se mais ferozes.
Em agonia prostraram-se aos pés do Criador invisível e clamaram fervorosamente pela sua proteção.
Rogavam-Lhe que o trouxesse de volta para o lar, pois sem ele, tudo era tão triste.
O Eterno amava profundamente a Caim e, jamais o deixaria sozinho naquela floresta.
Em resposta as orações daquela família aflita, enviou Seus anjos para protegerem-no de todos os perigos.
Caim, vencido pelas opressivas trevas da noite que traziam consigo os ventos do temor, tombou irresistente ao solo frio.
Ali permaneceu até ter sua coragem e força restabelecidas pela luz do alvorecer.
Animado pelo brilho da esperança continuou seus passos de aventura rumo ao berço do sol: paraíso com o qual sonhara desde sua infância.
Seus pés conduziram-no naquele dia através de um vale intensamente marcado pela morte.
Com espanto contemplava por todos os lados ossos secos e restos de animais devorados com ferocidade.
Aos seus ouvidos atentos, chegavam uivos e gritos de feras ameaçadoras.
Embora banhado pelo sol, Caim começou a ficar com medo.
Imóvel, lembrou-se do lar, dos conselhos e rogos dos pais;
Pensou nas constantes orações que faziam por ele;
Estava certo de que não deixariam de clamar por sua segurança ali naquela perigosa floresta, apesar de sua ingratidão.
Tomado de espanto, viu finalmente o sol lentamente caminhar para a sua morte diária.
Se em sua presença tremia, o que lhe reservaria a escura noite?!
Revivendo, contudo, os sonhos que tivera desde a infância, como um soldado que mesmo atingido por um golpe, se levanta num último esforço de vencer, Caim alimentou-se de ânimo;
Venceria o medo, e conquistaria toda a selva, banindo dela todos os ossos secos e os sinais de morte.
Revigorado pelos ilusórios planos, em passos firmes prosseguiu sua jornada.
Pobre Caim! O primeiro de uma multidão que, escravizada pelos mesmos sonhos de progresso, caminharia para dentro da noite, julgando encontrar o berço de toda a luz.
Diante dos olhos de Caim que jamais podia imaginar que todo passo que dava o levava para mais longe daquele sol que almejava conquistar, brilhou distante por entre as ramagens uma fulgurante luz.
Cheio de curiosidade apressou os passos, indagando silente:
Mas como, se eu o vejo declinar?!
Seria outro astro que em seu berço aguardava o momento de partida para aquele suplício diário?
Com o coração pulsando forte pela emoção adiantou-se em seus passos, julgando poder naquele novo dia detê-lo em sua partida;
Inauguraria assim um reino de luz, conquistado por sua força.
Correndo para a luz, porém, a viu desvanecer quando já próxima;
Seria vertigem? Não.
Desvanecera simplesmente para revelar-se mais brilhante aos seus olhos.
Observando o brilho intenso, Caim ficou perplexo ao ver que procedia da face de um poderoso querubim protetor que, desde a queda de seus pais permanecera ali velando as divisas do Éden.
Mudo, Caim contemplava a meiga face daquele anjo que, expressiva de amor, fazia renascer em seu coração emoções da infância.
Sentia-se agora esquecido de sua missão, revivendo em lembrança o encontro que tivera com o Criador naquela noite de sacrifício.
O querubim era semelhante a Deus, tendo no rosto um brilho de sol.
Estampando no semblante preocupação, o anjo depois de contemplá-lo demoradamente perguntou-lhe:
O que busca meu filho?
Recordando o seu esquecido ideal, Caim respondeu:
Busco a fonte do dia, o berço do Sol.
O anjo continuou perguntando:
O que o leva a procurá-lo com tanto anseio”.
Caim respondeu:
Eu sou amante de sua luz que me faz ver em cada dia o fruto do meu labor.
Admiro-o desde a minha infância, por isso trago no peito o ideal de um dia detê-lo sobre o céu.
O querubim contemplava-o penalizado, sem saber como convencê-lo daquela ilusão alimentada durante tantos anos.
Após um momento de silêncio, o anjo com ar de tristeza, procurando fazê-lo recordar as palavras que o Criador lhe dissera naquele encontro, perguntou:
Com que você irá detê-lo?
Confiante, Caim ergueu os braços em resposta.
Não construíra enormes jardins com eles?!
O anjo, num esforço de fazê-lo entender que o sol é um símbolo do Salvador, disse-lhe:
Caim, nada poderá detê-lo a não ser o amor.
Quem ama, caminha na mesma direção.
Para onde você o vê caminhar todos os dias?
Não é para o ocidente?
Segue então os seus passos e jamais o verá chorar lágrimas de sangue.
Acompanha-o em sua caminhada e verá que o que você sempre chamou de morte, consiste num alegre alvorecer para um continente além, perdido nas trevas.
A afirmação do anjo fez Caim lembrar-se das últimas palavras ditas pelo Eterno naquela noite transformada em dia.
Ele dissera que somente o sangue de Seu sacrifício poderia fazer brilhar a luz que triunfaria para sempre sobre as trevas.
Contrariado, Caim baixara a cabeça, determinado a não segui-Lo nessa direção.
Abalado, Caim encontrava-se agora diante de uma séria decisão que mudaria o rumo de sua vida e de uma multidão que poderia segui-lo.
Mudo e a tremer permanecia prostrado aos pés do anjo, enquanto renhida luta travava-se em seu íntimo.
Desde a infância alimentara um ideal, caminhando na direção de um paraíso o qual julgava poder conquistar pela força.
Agora o anjo apontava-lhe um caminho oposto, de amor e sacrifício: o mesmo ensinado pelos pais e pelo Criador.
Arrependido, Caim desejou retornar para casa, mas o inimigo se opunha inspirando-lhe vergonha;
Como encararia sua família, a quem prometera vitória pela sua força, ao retornar de mãos vazias?!
Com o jovem Caim, prostrado aos seus pés, o anjo com voz de ternura instava:
Filho volte ao lar!
Não há caminho de vitória além do amor.
Ele poderá ter espinhos e no trajeto um altar, mas é um caminho seguro, pois sempre leva o viajante aos braços de uma família amorosa que, com saudade espera o fruto de seu perdão.
Não será humilhante voltar;
Não é esse o caminho do sol?!
O caminho do orgulho é sempre desconhecido;
Em seu trajeto pode ter flores e a promessa de que não haverá altar, mas o seu fim é sempre dentro da noite, distante dos braços aquecidos pelo perdão.
Volte ao lar filho! Volte!
O anjo com seus amorosos conselhos conseguiu finalmente convencer Caim.
Ele estava resolvido a percorrer o caminho do amor, desfazendo os passos até ali movidos pelo egoísmo.
Aguardaria agora o sol para com ele seguir humildemente rumo ao altar que, não mais lhe falava de derrota, mas de triunfo sobre a morte.